sexta-feira, 25 de maio de 2018

Colômbia - Historias de Infiltrados no Crime - Parte 2/2

Um triunfo para a missão, mas uma derrota para o infiltrado
Em 22 de setembro de 2010 foi morto Víctor Suárez, vulgo “Mono Jojoy”, durante um bombardeio a seu acampamento em La Macarena, Meta. FOTO: Archivo
por Nelson Matta C. e Javier Alexánder Macías
Quando um servidor público atua como agente encoberto, sabe que está em jogo muito mais que o êxito de uma missão.
Entre as histórias de hoje, com que concluímos a postagem sobre os Infiltrados no Crime, a de um militar que terminou aleijado depois de estar 12 anos vivendo com o inimigo.
Nem sempre o Estado recompensa a esses agentes. A norma não distingue seu trabalho e, ao aposentar-se, recebem uma pensão igual a qualquer outro”, conta o especialista em segurança, Coronel (Res) John Marulanda.
Ele conclui que “a inteligência técnica tem um grande desenvolvimento, mas grupos irregulares, como guerrilhas ou o Estado Islâmico, se blindam usando sistemas antigos de comunicação, como cartas e mensageiros. Em troca, nem sempre logram detetar o trabalho da inteligência humana


O Capitão Que Ganhou a Confiança de Um Chefe das FARC
Em 13 de maio de 1996, Mejía(*), um Capitão especialista em infiltrar-se nas guerrilhas, recebeu a ordem que temeu por mais de seis meses: deveria internar-se nas selvas de Meta para buscar a quem na época se considerava como um dos comandantes mais temidos das FARC: Víctor Suárez, vulgo “Mono Jojoy”.
Mejía, acostumado a lidar com guerrilheiros rasos, não sabia como chegar até a região de El Borugo, uma localidade em Meta que servia de bastião ao comandante do Bloco Oriental, e onde mais tarde se instalariam as jaulas nas quais mantiveram os soldados e policiais sequestrados, imagens que deram volta ao mundo e mostraram o lado mais desumano de “Jojoy”.
Nesse dia fui para casa pensando em como chegar. ¿Que proposta levar a meus comandantes no outro dia para começar a infiltração? Me senti pressionado”, recorda o Capitão.
Essa noite se fez eterna pensando na missão. O sono o venceu pelas 3:30 a.m. e sentiu que o mundo se acabava. Atrás ficaria sua família, por um trabalho do qual nem sabia se poderia regressar.
Um vendedor de cacarecos
Em 13 de agosto de 1996 no parque de La Macarena, Meta, um sujeito com um carrinho de mão percorreu as vielas poeirentas desse município encravado no verdor da selva oriental colombiana. Eram umas duas da tarde e através de um megafone, sua voz oferecia todo tipo de coisas: “compre chinelos, compre sabão, potes para azeite...”.
Chegou vestido de “malandro”. “Me lembro que vesti uma camisa branca guayabera, uma calça café e mocassim. Nesse dia no armazém, eu os ensinei como fazer durar mais as baterias para os rádios”, relata.
Se enturmou no local com essa estória e outros truques de mecânica aprendidos no Exército. Ninguém entendia como nesse povoado afundado no abandono estatal, no qual se chegava por avião em viagens semanais, um antioquenho fosse vender objetos que se conseguia em qualquer esquina. Ele foi posto sob observação. A guerrilha vigiava cada passada de seu carrinho.
Comecei a ver que me seguiam e questionavam por que vendia coisas que eles tinham nessa vila afastada de tudo, então dei mais realismo ao meu trabalho e comecei a vender tênis e roupa que conseguia em Medellín e me chegavam por encomenda, com o avião, a cada duas semanas em La Macarena”.

Conta o Capitão Mejía que o negócio cresceu tanto, que até os guerrilheiros saíam dos acampamentos para comprar meias, roupa intima, calças e camisas para sair de vez em quando para tomar trago nas poucas cantinas que existiam no lugar. “Foi o melhor que me sucedeu, porque assim pude identificar quem era guerrilheiro e quem não era. Em muitas ocasiões eu os via com as camisas quadriculadas que lhes vendia. E dessa forma pude viajar até o acampamento do ‘Mono Jojoy’”.
“Pondo 'Jojoy' a estrear a camisa”
Quatro meses depois de chegar a La Macarena, o Capitão revelou seu nome de infiltrado. Disse a um guerrilheiro que foi busca-lo porque tinha uma razão especial. Seu comandante “Mono Jojoy” queria que “o paisa que vende camisas” lhe levasse uma em especial.
— “¿E como é que tu te chamas?”.
— “Iván Darío Pinzón”, respondeu o militar ao insurgente.
— “A cédula”, replicou o guerrilheiro.
— “Aqui está”, disse o Capitão.
Verificado o número de identidade, o subversivo soltou a pérola esperada por quatro meses:
— “O Mono quer duas camisetas, uma número 24 e outra 31. E uma garrafa de uísque e duas galinhas. Será que tu podes conseguir?”, perguntou.
— “Eu trago tudo que seja”.

E assim foi. Viajou a Bogotá com a missão de trazer o que foi pedido pelo comandante do Bloco  Oriental. Antes da viagem, o Capitão solicitou falar com o chefe guerrilheiro para saber exatamente o que ele queria.
Me levaram ao seu acampamento. Estava gordo e enfermo. Pediu uma camisa xadrez e uma camiseta branca”. Esta viagem foi o primeiro contato com seus superiores em quatro meses de ausência. Dali em diante, a estratégia mudaria para chegar ao “Mono Jojoy”.
Servindo de enfermeiro
O Capitão Mejía regressou com tudo o que pediu “Jojoy”. Se hospedou em um hotel de La Macarena, cuja dona preparava pratos diferentes para “Mono”. — Esse cara mandava fazer até 200 tamales por semana para  distribuir na população —, conta.
Com a entrada livre ao acampamento, Mejía  ganhou a confiança do comandante. Cuidou o  diabetes dele, aplicava a insulina que conseguia em Villavicencio e levava uísque para que se emborrachasse recordando sua terra natal: Chaparral, Tolima.
Mejía, com a desculpa de trazer encomendas de  “Jojoy”, saia para a vila mais próxima, e de um telefone público dava informações a seus superiores. Foi assim que se inteiraram que este comandante era bondoso com os guerrilheiros rasos, que estudava todos os dias até as 12 da noite, se levantava às 5:00 a.m., tomava um café e enviava correspondências eletrônicas ao Secretariado das FARC.
Ganhei tanto sua confiança que inclusive revisava tudo o que lhe chegava e administrei uma de suas granjas na zona de distensão durante as conversações com o governo de Andrés Pastrana”.
Entre 1996 e 2008, o Capitão Mejía entregou informações às Forças Militares que ajudaram a fechar o cerco sobre o “Mono Jojoy”. Foi seu cozinheiro, assessor, enfermeiro e provador de bebidas.
Vi muitas coisas nesses 12 anos infiltrado. O que mais me doeu foi ver cair os meus companheiros e depois ver muitos deles nessas jaulas. Algumas vezes quis me ir, mas pensava que fazia por eles e desistia da ideia”, recorda Mejía.
Enfrentando a morte
Quieto hijueputa o se muere. Yo sí sabía que era un sapo”, disse o guerrilheiro “Oswaldo” quando encontrou o Capitão Mejía transmitindo um relatório sobre o “Mono Jojoy”, em 22 de junho de 2008. Ele dava as coordenadas para uma  primeira operação.
Vinham seguindo ele há um mês e comprovaram suas suspeitas quando pediu permissão para ir buscar umas botas para o chefe subversivo e foi telefonar. Ao se ver descoberto, o Capitão Mejía se pôs a correr montanha abaixo sob uma torrente de balas. Ferido, se jogou no rio Guayabero e nadou até sentir desvanecer sua vida. Foi resgatado por uma patrulha do Exército que o levou à base e dali foi transladado ao Hospital Militar. Hoje o Capitão Mejía passa seus dias em uma cadeira de rodas. Perdeu a mobilidade de suas pernas, mas sente que valeu a pena dar tudo pela pátria que o viu nascer.



Perdeu sua Família por Desmantelar Uma Rede de Narcos
Por seu trabalho de 12 anos, em que se infiltrou varias vezes na máfia como negociador de armas e drogas, o Departamento Administrativo de Segurança (DAS) escolheu o detetive Gabriel(*) para a missão.
O caso surgiu desde a Embaixada da Austrália, segundo a qual havia uma organização clandestina traficando cocaína desde a Colômbia para a Oceania. Era a primeira vez que escutávamos sobre uma rota de narcos para esse destino”, recordou um dos agentes que conheceu a operação.
A pedido da Polícia Federal Australiana (AFP), Gabriel devia atuar como agente encoberto para identificar os integrantes da rede. Segundo consta no Relatório Anual de Operações Controladas da AFP (2010-11), dali em diante o denominaram “Undercover Operative 57189”.
Este foi o primeiro caso documentado em nosso país, com base no novo Código Penal (Ley 906 de 2004), onde um juiz de controle de garantias autorizou um procedimento deste tipo.
Os australianos sabiam que no mercado negro havia gente buscando estupefacientes em Bogotá para enviar a Melbourne, e essa era a oportunidade que deviam aproveitar. Gabriel não tinha claro quanto duraria a missão. Em novembro de 2006 se despediu de sua esposa e seus dois filhos pequenos, e não voltou a sua casa nem a seu escritório.
Devia deixar para trás sua vida cotidiana e transformar-se em comerciante de um dos San Andrecito [feiras de produtos estrangeiros] de Bogotá. “Uma quadrilha de extorsionistas era dona de uma loja de roupas. Pressionamos para que nos entregassem esse espaço, em troca de não captura-los. Em questões de Inteligência, às vezes há que fazer tratos com bandidos”, indicou a fonte.
Gabriel apareceu como o novo dono do negocio e tinha como empregada uma vendedora que ignorava a trama de fundo. Para fortalecer sua fachada, a embaixada arrendou um apartamento de luxo na localidade de Usaquén e lhe entregou, junto com um Chevrolet Aveo, um automóvel que naquele momento era una novidade na Colômbia.

Os detetives identificaram o encarregado que buscava a droga. Gabriel fez contato e disse que estava em condições de conseguir uma carga de alta qualidade e se pactuou uma reunião deste e o comprador no apartamento de Usaquén. O DAS instalou câmaras e microfones na sala, cozinha e sala de jantar, e na rua em frente permanecia uma caminhonete de Inteligência Técnica, com a aparência de uma ambulância, registrando cada movimento.
Para surpresa de todos, o comprador era um jovem de apenas 24 anos, que chegou em um automóvel Bora e se fazia chamar “Iguano”. “Era um jovem aparentando boa vida, roupas de marca, com corpo 'malhado', 1.80 metros de estatura, despreocupado, desses que acordam às dez da manhã”.

Como teste, foi vendido um quilo de cocaína de alta pureza. O estupefaciente foi fornecido pela embaixada, produto de uma apreensão anterior. "Iguano" viajaria com a encomenda por via aérea, e assim Gabriel entregou a mercadoria em uma caixa de papelão com um minúsculo dispositivo GPS escondido em sua parede corrugada. A droga partiu do aeroporto Eldorado e fez escala no Chile, para depois chegar a Melbourne. Dessa maneira, o DAS e a AFP começaram a decifrar a rota.
Aos 35 anos, o agente 57189 era um pai de família abnegado, que ia à ciclovia com as crianças, ao mercado com a esposa e comia em quiosques. Mas para entrar no círculo de confiança do “Iguano” devia aparentar o estilo de vida de um playboy solteiro.
No apartamento houve ao menos oito festas, com mulheres e trago para todo lado. Também festas eternas em discotecas da moda, onde se tomavam uísque sem piedade,
para que o rapaz soltasse a língua.
Nas manhãs, Gabriel ia ao San Andrecito para receber o balanço das vendas, fazia pedidos e saudava os demais comerciantes com normalidade. Nas tardes seguia a dramatização, almoçando com garotas estonteantes em restaurantes tão caros que os agentes de apoio que o seguiam à sombra nem entravam, por falta de orçamento.

Nessa época, funcionários públicos como Gabriel não ganhavam mais que $1’500.000 mensais (cerca de 1500 reais). Agora, com uma conta de gastos reservados alimentada pelas arcas da embaixada, o agente podia fingir, ao menos por algum tempo, que era um ricaço.

Ausências que doem
O teatro deu seus frutos. O “Iguano” começou a tratá-lo como amigo e o convidou para ser acionista nas encomendas. O detetive forneceu dinheiro, com o qual foi comprada droga nas Planícies do Leste. Assim aprendeu outra rota de envios por mar: Buenaventura-Tahití-Ilhas Cook-Australia. E também soube o nome real de seu sócio: Fabio Esneider Rodríguez Mora, dono de lojas em outro San Andrecito.
Os avanços no caso tiveram um alto preço na vida pessoal de Gabriel, que durante oito meses, não pode visitar sua família. A equipe de apoio, que o vigiava em cada deslocamento, percebeu que havia homens suspeitos que o seguiam em motos. Era claro que os traficantes queriam saber com quem estavam lidando. Quando isso sucedia, o DAS coordenava uma falsa detenção com a estação policial mais próxima. Se pedia como favor aos patrulheiros que o detivessem na via e, sob o pretexto de verificar seus documentos, o levavam ao comando. Em uma dessas ocasiões, Gabriel havia prometido a seus filhos que iria visita-los, mas no caminho seus colegas detectaram a perseguição e ordenaram sua detenção e traslado à estação de Suba [bairro de Bogotá].
A falta de seus seres queridos começou a lhe afetar. Queria abraça-los, estar com eles. Uma noite, bêbado e em plena festa com “Iguano”, ligou por telefone à sua esposa. Desejava escutar sua voz, mas seu personagem o traiu e ele chamou sua mulher pelo nome de outra, desencadeando uma forte discussão do casal.
A missão concluiu em julho de 2007, quando já estavam identificados os comerciantes da cocaína na Austrália. Segundo consta nos jornais daquele país - The Age e The Herald Sun -,  em Bogotá
foi capturado o “Iguano” e, em Melbourne caíram seu tio José Arturo Quiroga e os sócios Carlos Hernán Torres Ortegón, Cenk Van e Paul Pavlou.
Gabriel voltou para casa, onde a ferida de sua ausência já não fechava. Alguns companheiros intercederam, falaram com a esposa, mas não podiam revelar em que missão ele esteve. Ela não acreditou, “vocês se cobrem com o mesmo cobertor”, replicava. A historia terminou em divorcio.
A Gabriel foi concedido uma menção honorífica, sigilosa, na Diretoria do DAS em Bogotá. Depois de sacrificar seu lar na luta contra o crime, foi só o que recebeu.

(*) Os nomes dos agentes foram modificados para proteger sua segurança.
Fonte:  tradução livre de El Colombiano
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domingo, 20 de maio de 2018

Ortega na Corda Bamba

por Andrés Hoyos
Daniel Ortega, êmulo de Somoza, sempre se apresenta flanqueado por sua esposa Rosario Murillo, uma caricatura viva das bruxas dos contos de fadas, que se atreve a publicar maus versos em um país de grandes poetas. Pois bem, ainda que a ditadura na Nicarágua esteja cambaleante, o casal modelo está disposto a fazer o que seja para manter-se no poder. E digo “o que seja”, pois inclusive se oferecem para “negociar”.
Um ditador, se além de tudo é um psicopata — e não se deve esquecer nem por um instante que Ortega é um violador serial que submeteu a sua enteada, Zoilamérica Narváez Murillo, a anos de abuso sexual —, não faz concessões se se sente sólido em seu posto; no máximo finge faze-las para logo contra atacar na primeira piscada. O grande paradoxo é que se de algum modo se vê obrigado a ceder em algo, como permitir que uma missão da CIDH visite o país para julgar a situação ou entabular um diálogo forçado por uma Igreja Católica subitamente militante após décadas de passividade, é porque a ameaça é muito séria.
Importa muito entender que Ortega está perdendo a crucial batalha dos símbolos. Em Masaya, praça forte do sandinismo histórico, fica o emblemático bairro indígena de Monimbó, onde há 40 anos o somozismo assassinou Camilo Ortega, irmão do presidente. Pois bem, os artesãos de Monimbó já contam cinco mortos na atual batalha contra o irmão de seu antigo herói. Há um segundo símbolo que Ortega acaba de perder: Niquinohomo, o povoado onde nasceu Sandino. Ali também se levantaram os moradores e, segundo reporta El País, ocorreu uma dura batalha para decidir que cores deveriam vestir a estátua do herói, se vermelho e preto, segundo a velha bandeira anarquista da FSLN, ou azul e branco, as cores da nação. Os moradores de Niquinohomo se arriscaram ao enfrentar os esbirros de Ortega mas não desistiram de evitar a afronta a seu prócer colocando nele uma vestimenta que associam ao ditador.
Após 26 dias de protestos ininterruptos, 54 pessoas morreram nas ruas de distintas cidades do país. FOTO REUTERS
É claro que não se pode assegurar que Ortega caia porque estas ditaduras “eleitorais” do século XXI tem demonstrado serem muito engenhosas na hora de sustentar-se no poder; também sabem roubar e muito mais. Até alguns anos atrás, Ortega parecia firme e seguro em seu posto. Mesclava uma repressão seletiva, uma corrupção abundante e alguns pactos que considerava indispensáveis: com os militares — a Polícia ele domina desde anos pois está sob o mando de Francisco Díaz, um familiar seu —, com os empresários e com Nicolás Maduro, o grande benfeitor. Mas os petrodólares venezuelanos desapareceram de forma súbita e o regime está quebrado.
Ainda que a tentação óbvia seja fazer paralelos com a Venezuela, as situações de ambos países diferem bastante. Na Nicarágua o combustível da legitimidade eleitoral se esgotou há muito tempo. Também, enquanto Maduro mantém o inefável general Vladimir Padrino López comendo em sua mão como um gatinho desdentado, o Exército nicaraguense acaba de distanciar-se de Ortega e diz que não reprimirá mais a população. Algo deve andar mal aí, porque o ditador vem dependendo cada vez mais tanto do aparato paramilitar que responde diretamente a suas ordens quanto da Polícia.
Enfim, como demonstram Nicarágua e Venezuela, tirar ditadores do poder implica um processo difícil e sangrento. O melhor é não deixa-los chegar a ele quando andam disfarçados de democratas e prometem crepúsculos rosados.
Fonte: tradução livre de El Espectador
COMENTO:  Enquanto a imprensa brasileira destaca a violência israelense contra os palestinos - culpando Donald Trump -, o tarado nicaraguense promove um massacre - 54 mortos em 26 dias, só em protestos - contra seu próprio povo, sem que os canalhas sedizentes jornalistas, seguindo as diretrizes do Foro de São Paulo, deem importância ao que ocorre na América Central. Nojo dessa imprensa de merda!
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quinta-feira, 10 de maio de 2018

A Nova Cavalaria

Maj Cav Salgueiro Maia – Exército Português
Deve-se a Carlos VII, rei da França, o aparecimento da Cavalaria como Arma. Foi ele que, por volta de 1445, instituiu o primeiro exército permanente, constituído por duas Armas: a Cavalaria e a Infantaria.
Devido à evolução dos armamentos no final do século XV, começaram a aparecer unidades de Cavalaria com armas de fogo, e no século seguinte a Cavalaria passa a ser constituída por três tipos de unidades: COURACEIROS (Cavalaria pesada), HUSSARDOS (Cavalaria ligeira) e DRAGÕES (Cavalaria apta a combater a pé e a cavalo).
Com o século XVII, devido à ação de Gustavo Adolfo, a Cavalaria como arma alcança vários êxitos, em especial na batalha de Breitenfeld, junto a Leipzig (guerra dos Trinta Anos). Esses êxitos são devidos à justa utilização da Arma, aproveitando a sua aptidão para o reconhecimento, ação de choque e a perseguição. Podemos definir a Cavalaria desta época pelas palavras do Marechal de Saxe: “A Cavalaria deve ser lesta, deve ser montada sobre cavalos próprios para suportar a fadiga, deve ter poucas equipagens, e sobretudo não deve ter cavalos gordos”. Nem todos compreenderam assim a ação da Cavalaria, continuando-se a fazer o fogo a cavalo, numa ação conhecida como “caracolada”, que consistia em carregar sobre o inimigo, disparar as armas de determinada distancia, fazer uma pirueta, e voltar à retaguarda para carregar as armas, com vistas a desenvolver novamente a mesma ação.
Foi na Prússia, com Frederico II, que a Cavalaria começou a traçar caminho certo. Bem apoiado em seus generais Zeithen e Sedlitz, Frederico II abandona o fogo a cavalo, criando a Artilharia a cavalo, tendo por missão apoiar a ação das cargas da Cavalaria, mantendo as demais peças fixas da Artilharia para fazer o fogo de cobertura. Frederico II determina que as cargas se façam a galope, que os cavaleiros continuem a usar mosquetes e espingardas para o combate a peado; utilizou ainda largamente, a Cavalaria no reconhecimento, dizendo que ela era “os olhos e ouvidos do Exército”.
A influência da ação de Frederico II, estendeu-se a França, onde cimentou as bases do que seria a famosa Cavalaria Napoleônica, que fica definida através das palavras do seu chefe Napoleão: “A Cavalaria de linha só pode ser eficaz em grandes massas, tanto no começo, como no decorrer, como no fim do combate, conforme as circunstâncias; deve ser independente das outras armas para poder ser empenhada oportuna e independentemente delas, concorrendo no entanto com elas para o fim comum. Deve pertencer por isso à reserva do Exército”. Napoleão criou um Corpo de Cavalaria de 28.000 homens, o “Corpo Murat”, com dois Regimentos de Cavalaria Ligeira; o primeiro, antecessor das unidades blindadas e o segundo, das unidades mecanizadas. Com Napoleão a cavalaria passou a ser a Arma do ataque decisivo, explorando a brecha que a Artilharia preparava. Assim ele atuou em Wagron, Moscou, Essling e Iéna.
A intervenção em massa do Corpo de Cavalaria (Corpo Murat), era caracterizada pela velocidade e violência, em ligação com a Artilharia. O Corpo de Cavalaria estava organizado para poder atuar isoladamente (reconhecimento e perseguição). Com a substituição das armas de repetição por armas de maior cadencia de tiro, chegou-se na guerra de 1870, entre a França e a Prússia, à conclusão de que o emprego da carga a cavalo com grandes massas era impraticável no campo de batalha. A agravar a situação, a Cavalaria estava sendo utilizada junto com a Infantaria, não tirando proveito de sua mobilidade, passando a desempenhar só ações de reconhecimento e cobertura.
Quando em 1914 se iniciaram as operações, a Cavalaria francesa estava possuída de um alto espírito ofensivo e desejosa de tirar a desforra das ações de 1870. Assim, a Cavalaria francesa procura a todo o instante o encontro à arma branca, enquanto a Cavalaria alemã a atrai e espera, sob a ação de seu fogo.
A Cavalaria alemã atua em cooperação com ciclistas, metralhadoras e Artilharia, sem abandonar o combate a cavalo e à arma branca. Com a estabilização da frente, a Alemanha quase abandona a Cavalaria, enquanto que a França lhe dá meios mais potentes, sem lhe tirar a mobilidade. Desta maneira, quando a guerra termina, de um lado quase não há Cavalaria, do outro existe a Cavalaria pronta para passar à exploração do sucesso.
Com o desenvolvimento dos armamentos, e com a guerra de posição que foi a guerra de 1914/1918, foi necessário criar algo, que pudesse atuar fora das trincheiras, protegido dos fogos do inimigo; baseados em máquinas agrícolas idealizadas para o trabalho em todo o terreno, constroem-se viaturas com blindagem suficiente para anular os efeitos dos fogos contrários, surgem assim as primeiras viaturas blindadas.
Em outubro de 1914, um Oficial inglês, o Ten Cel Stern, segundo uns, ou o Ten Cel Swinton segundo outros, apresenta o projeto da construção de uma viatura blindada, capaz de transportar pessoal através do campo de batalha, abrigado da ação das armas ligeiras e estilhaços das granadas de Artilharia. Como meio de locomoção seria utilizado o sistema de lagartas usado pelos tratores, que podiam deslocar-se por terrenos onde viaturas com rodas ficavam detidas. Os resultados dessas ideias depressa se concretizam e, em 20 de novembro de 1917, na ofensiva de Cambrai, 500 carros de combate sob o comando do Brigadeiro H. J. Elles, realizam a ruptura da Linha Hindemburgo, numa profundidade de 15 km, com a captura de 8.000 homens e 100 peças de Artilharia, em cerca de 12 horas de combate, com um volume de perdas e um gasto de munição muito menor, quando comparado com operações anteriores de idênticos resultados. Essas viaturas viriam a desempenhar as funções para as quais foi criada a Cavalaria a cavalo: o reconhecimento, a ruptura e a exploração do sucesso. Foram essas viaturas para a Cavalaria as sucessoras dos cavalos, para que a arma pudesse continuar a cumprir as missões para que fora criada.
Depois da Primeira Grande Guerra, voltaram a ser aplicados os conceitos de Napoleão sobre a ação da Cavalaria, agora aplicados ao novo material e às novas situações. Defendendo estes conceitos, surge na França o Cel Charles de Gaulle e na América o Gen Chaffe. Infelizmente ambos não foram compreendidos e suas Pátrias somente anos mais tarde vieram a lhes dar razão, quando a Alemanha surgia cheia de força, concretizando os princípios por eles defendidos.
Na Alemanha, o Cel Heinz Guderian, tornou-se o orientador da nova Cavalaria, criando as Panzerdivisionen, nos moldes preconizados por de Gaulle. Von Guderian seria o pai das unidades blindadas alemãs e o invasor da Rússia; soube conjugar grandes massas de blindados, acompanhados por Infantaria motorizada, apoiados por Artilharia autopropulsada e pela nova arma, a aviação, através dos seus aviões de caça, de proteção, e de outros, construídos essencialmente obedecendo às novas necessidades, tais como os célebres Stukas (aviões de assalto idealizados para fazerem o acompanhamento dos blindados pelo fogo).
A máquina de guerra da Alemanha, ensaiada durante a guerra civil da Espanha, surgiu plena de mobilidade e poder de choque, baseada numa Cavalaria que soube aproveitar as possibilidades, do que foi e será sempre uma Arma ofensiva. São de assinalar as palavras do Marechal Montgomery, ao constituir o Corpo de Reserva do VIII Exército na Líbia: “Este Corpo, praticamente formado de Divisões Blindadas, deverá ser preparado para constituir a ponta de lança da nossa ação ofensiva e nunca deverá ser empregado para defender posições estáticas”.
Depois da guerra de 1939/1945, com o advento da guerra nuclear, maior desenvolvimento sofreram as unidades de Cavalaria, tornando-se mais móveis, flexíveis e com maior poder ofensivo, para manter a possibilidade de facilmente se concentrar para um ataque , e dispersar depois deste, com vistas a não oferecer um objetivo compensador a um bombardeio nuclear, aperfeiçoando as suas blindagens para agora se protegerem também da ação das poeiras radioativas.
No fundo, todas as alterações são superficiais, visto que permanecem imutáveis os dois tipos essenciais de unidades de Cavalaria, os blindados para desenvolver a ação de choque, ruptura e a exploração do sucesso, e as unidades de Cavalaria Mecanizada, empregando meios terrestres e aéreos, para garantir o reconhecimento.
Como contraste verificamos que sempre o papel da Cavalaria se eleva ou apaga através dos tempos, conforme é respeitada ou esquecida a sua doutrina de emprego.
Fonte: Facebook
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