domingo, 26 de junho de 2011

Os Militares, a Greve e a Constituição

por Almir Pazzianotto Pinto*
Nós, brasileiros, talvez nunca tenhamos entendido o significado da Constituição. Exceção feita à de 1891, cuja vigência se prolongou até a Revolução de 1930, as demais tiveram vida breve, e passaram por numerosas transformações, provocadas por sucessivas emendas.  A Constituição de 1988, denominada por Ulysses Guimarães "Constituição Coragem", entre todas é a mais democrática. Como escreveu o doutor Ulysses, no preâmbulo introduzido à revelia da Assembleia Nacional Constituinte, e que figura na primeira edição do Senado: "Diferentemente das sete Constituições anteriores, começa com o homem. (...). É a Constituição cidadã".
Pois bem, nem ela deixou de estabelecer limites, na defesa do regime democrático. Veja-se o inciso II, do Art. 5: "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".
O dispositivo, ao mesmo tempo em que liberta, obriga. Obriga o cidadão ao alistamento eleitoral e a votar (Art. 14, I); a prestar serviço militar (Art. 143); e até ao recolhimento de contribuições sindicais (Art. 8º, IV), matéria indigna de figurar em lei de tal importância.
Trata-se de Constituição pródiga em direitos, e econômica nas obrigações. Nem por isso, todavia, deixou de impor normas limitativas de conduta, cuja violação ponha em perigo o Estado de Direito.
Um dos aspectos mais delicados da legislação constitucional consiste no tratamento dispensado à greve. Para os trabalhadores da iniciativa privada o direito é amplo, mas não irrestrito. Sujeita-se à Lei nº 7.783/89. A garantia de paralisação coletiva se reduz frente à necessidade de "atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade", hipótese na qual os responsáveis por abusos ficarão sujeitos às penas da lei (Constituição, Art. 9º, §§ 1º e 2º).
Relativamente aos servidores públicos civis, a Lei Superior foi mais restritiva. Não obstante tenha reconhecido o direito "à livre associação sindical", no tocante à greve autoriza o exercício desde que "nos termos e nos limites de lei específica". Disto segue-se que até a lei exigida converter-se em realidade o direito permanecerá em estado latente. Paralisar serviço público mediante mobilização coletiva afronta a Constituição, e por dois motivos: (1) falta da lei específica; (2) serviço público, mantido pelo contribuinte, é, por natureza, essencial.
Por fim, a lei colocada na cúpula do sistema jurídico, e à qual devemos respeito, determina, no Título V, que trata "Da defesa do Estado e das Instituições Democráticas - Capítulo II, Das Forças Armadas", que "ao militar são proibidas a sindicalização e a greve" (Art. 142, V). A norma, cuja objetividade dispensa comentários, não é apenas limitativa, mas impeditiva. Segundo a mesma legislação constitucional, as Forças Armadas, constituídas por Exército, Marinha e Aeronáutica, compreendem as Polícias Militares dos Estados e os Corpos de Bombeiros militares, considerados forças reservas do Exército (Art. 144, § 6º). Regra idêntica está inserida no Título III, que cuida "Da Organização do Estado, Seção III, Dos Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios".
Por fortes que sejam os motivos determinantes da paralisação e da ocupação de instalações militares, os bombeiros do Rio de Janeiro violaram a Constituição da República, e o Código Penal Militar. Quebraram os princípios de disciplina e hierarquia. Militar não faz greve: promove motim. Da mesma maneira que discordamos de greves na Previdência Social, no Poder Judiciário, em hospitais e escolas, não podemos admitir que militares se amotinem contra os superiores e coloquem em risco o Poder Civil.
Se os vencimentos estão aquém do mínimo de subsistência, a responsabilidade cabe a comandantes que não levaram o pedido de reajustamento ao Secretário de Segurança, e a este, que não soube transmitir ao governador do estado a situação de intranquilidade da tropa.
A história recente da República encerra episódios trágicos de amotinação. Lembremo-nos da ocupação do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio por fuzileiros navais em março de 64, e de tudo que sucedeu depois, culminando na deposição do presidente João Goulart.
Se o estado de insubordinação se manifestasse em batalhão do Exército, aquartelado no centro da cidade, como reagiria o governo?
*Advogado; ex-ministro do Trabalho
citado no Blog do Montedo

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