terça-feira, 29 de março de 2011

12 Set 63 - O Levante de Brasília - II

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Na época do Império Romano, quando uma Legião se preparava para ação, o Comandante, de viva voz através de seus “gritadores”, perguntava se estavam prontos. Toda a Legião, incluindo os “Auxiliares” gritavam para ele: 
“SEMPER PARATUS!”.

HISTÓRIA VIVIDA
por Gen Andrade Nery.
"Vive o País, há nove anos, um desses períodos férteis em programas e inspirações, graças à transposição do desejo para a vontade de crescer e afirmar-se.  Negue-se tudo a essa Revolução Brasileira, menos que ela não moveu o País, com apoio de todas as classes representativas, numa direção que já a destaca entre as nações com parcela maior de responsabilidade."
(Editorial do Jornal do Brasil, 31 de março de 1973).
12 de setembro de 1963
Em Brasília um movimento revolucionário que pregava uma ampla indisciplina contra a hierarquia militar e contra a autoridade e a legitimidade do Poder Judiciário, representado pelo tribunal mais alto, que é o Supremo Tribunal Federal, toma de assalto a capital do País e cria a "República Sindicalista Comunista do Brasil".
O Exército reage e determina o deslocamento da 1ª Companhia de Fuzileiros Pára-quedista para Brasília, com a seguinte missão: "Realizar um salto de combate para libertar Brasília, dos revoltosos".
Eu comandava esta companhia. Abaixo, transcrevo, o meu testemunho sobre a rebelião de Brasília. São fatos que presenciei e constam do meu depoimento publicado na página 169, do Tomo 10 - História Oral do Exército - 31 de Março – 1964.
"... Em 1963, saí da Companhia de Petrechos Pesados e assumi o comando da 1ª Companhia de Infantaria Pára-quedista, Companhia de pronto emprego, do Regimento de Infantaria Pára-quedista. Demos um nome à companhia – "Companhia Cobra". Essa Companhia deveria estar pronta para se deslocar em uma hora. Um dia, às 5h da manhã, recebi ordem para desencadear o plano de chamada e preparar a Companhia para uma missão. Pelo horário, teria sido mais fácil esperar a chegada dos soldados, às seis horas no quartel.
Às 7 horas, estava com a Companhia pronta, tudo pronto. O material ficava realmente enfardado. O efetivo era em torno de duzentos homens. O Coronel me chama e ao seu Estado-Maior. Entra o General Pinheiro – Comandante do Núcleo da Divisão Aeroterrestre, indagando:
"- Qual é a Companhia que vai cumprir a missão"?"
"- A 1ª Companhia".
"- Quem é o Comandante?"
"- Tenente Nery".
"- Tenente, aqui!".
Fiquei em pé, ao lado dele. Ele abriu em cima daquela mesa grande, no cassino dos oficiais, local da reunião, a carta de Brasília. Quando olhei, entendi o que já sabíamos durante a noite. Tinha havido uma rebelião em Brasília, a Base Aérea fora tomada, alguns quartéis já estavam tomados, alguns oficiais presos e a cidade estavam na mão de uma rebelião. Só não sabíamos a extensão do problema, naquele momento. Mas era sério. O presidente, os ministros e as principais autoridades estavam propositadamente fora de Brasília. Na verdade, foi tudo planejado. Inclusive, deputados participaram daquele levante. O General Pinheiro disse: "Tenente, não está acontecendo nada em Brasília. Você vai levar a sua tropa, desembarca, vai desarmado. Você vai fazer um desfile semelhante ao de Sete de Setembro, no Dia da Pátria, na alameda dos ministérios".
Sabíamos que não era aquilo. Acabáramos de ouvir na rádio – estávamos sempre atentos, ligados, tínhamos informações. A realidade era outra. Brasília estava sublevada, era a rebelião dos sargentos, a maioria da Marinha e da Aeronáutica. Obedeciam a um intelectualizado comando civil, não se restringiria apenas a Brasília e devia estender-se por todo o País. Da chefia da rebelião, participavam os deputados Neiva Moreira, do PSP-MA, Hércules Correia, Marco Antonio, do PCB-GB e Max da Costa Santos, do PSB-GB, sob a liderança de Leonel de Moura Brizola. Pela ordem os revoltosos pretendiam: depor o presidente da república; fechar o Congresso; acabar, sumariamente, com o Supremo Tribunal Federal, classificado como órgão inútil e dispensável; desvirtuar o regime e implantar uma República (ditadura) Socialista; transformar totalmente as Forças Armadas.
Os prédios dos ministérios da Marinha e da Aeronáutica estavam ocupados e os revoltosos já estavam no terraço, na cobertura, no telhado dos pavilhões nos esperando. Sabiam que a tropa paraquedista ia saltar. Seríamos eliminados como pombos. Íamos saltar e desfilar desarmados. Disse para o general: "General, não é isso..." Não completei a frase! Quando ia começar a falar levei uma "botinada", por debaixo da mesa. Eu estava em pé e os outros oficiais do Estado-Maior do Regimento, sentados. O Oficial de Operações, Major Giácomo Jannuzzi Neto, me deu um pontapé. Eu entendi. Era para ficar calado. Calei-me e ouvi a missão – desfilar desarmado.
Ao sair dali, fui falar com o Major Jannuzzi. Ele me disse:
"- Nery, é rebelião, se você for desarmado, você vai morrer, sua tropa vai ser eliminada. É guerra! Eles ocuparam Brasília e já leram o manifesto de criação da república sindicalista comunista do Brasil".
Eu pergunto:
"- Como é que eu vou, Major?"
"- Vá armado, claro! Você vai para a guerra!"
"- Qual é a minha missão?"
"- Você vai saltar para libertar Brasília."
Saltar, para libertar Brasília das mãos dos revoltosos, ou seja, conquistar Brasília. Essa foi a missão.
"- Onde estão os revoltosos?"
"- Ocupando os prédios dos ministérios militares. Já existem oficiais presos. Você tem que libertá-los – descobrir onde eles estão e libertá-los".
Naquele momento, minha maior preocupação era armar a Companhia – duzentos homens. E a munição? Veio a informação que tinham trancado a munição.
O Oficial de Munições do Regimento, Tenente Eglair Barcelos Alves me disse:
"- Nery, vou me virar. Deixa comigo!"
E saiu, para conseguir a munição. Comecei a pegar o armamento, quando chegou uma parte da munição. Tinha que "enfardar". Dei ordem para colocar a munição no carregador e levá-la também no cinto. O grosso da munição seria acondicionado em um cunhete, com um pára-quedas em cima para ser lançado do avião. Após o salto, você sai correndo para procurar a munição, pegá-la e levá-la com você. Sabendo que precisava de muitos pára-quedas, mandei buscá-los.
Chegou a informação:
"- O Major encarregado dos pára-quedas fechou a baiúca" – como nós chamamos o local de acondicionamento dos mesmos – "e não vai distribuir os pára-quedas para você, por ordem do General." – o pára-quedas da munição!
Na hora, imediatamente, dei a ordem para que os cunhetes fossem abertos. Mandei distribuir a munição pelos bolsos. Iríamos saltar com a munição dentro do bolso, em quantidade. Aí, surgiu um problema. Soubemos que a rebelião era dos sargentos de Brasília, com o foco principal na Marinha e na Aeronáutica.
Em virtude dos acontecimentos de 1961, quando o General Santa Rosa, Comandante dos pára-quedistas, elogiou os sargentos por não terem cumprido ordem de seus superiores hierárquicos, e do Governador Brizola mandando os sargentos matarem seus oficiais, criou-se um ambiente de mal-estar dentro da tropa. Aquilo foi sendo alimentado numa seqüência, agora essa rebelião em Brasília, era o dia 12 de setembro de 1963... Apesar de preocupado, mandei distribuir a munição para os sargentos. Não podia duvidar da lealdade dos sargentos. Paguei para ver.
Estávamos em pleno aprestamento, tínhamos que preparar a munição, preparar os fardos. O subtenente, aquele homem mais antigo, aquele sargento que foi alçado à função de subtenente, o administrador da carga da Companhia, chegou para mim e disse:
"- Tenente, preciso falar com o senhor, aliás, todos os sargentos querem falar com o senhor."
Eu disse:
"- Bom, o que houve? Vou lá."
Eles estavam numa sala, reunidos. O subtenente iniciou:
"- Tenente, o senhor mandou distribuir a munição para todos nós, sargentos. O senhor confia nos sargentos da Companhia?"
Chamei a atenção dele:
"- Em algum momento, desconfiei de vocês? Em algum momento, pensei isso? Vocês viram isso aqui entre os oficiais e sargentos do Regimento Santos Dumont? Não estou entendendo o que vocês estão falando!"
"- Tenente, a reunião é para agradecer a confiança. Conte conosco. Em nenhum momento, o senhor deixará de contar com a nossa lealdade. Conte conosco".
Assim, fui para Brasília. Eram 14 aviões. Até aeronave em manutenção decolou. Os antigos aviões C-82 voavam de porta aberta. Cruzando a serra de Petrópolis e Teresópolis, e seguindo para Brasília, fazia muito frio, eu sentado ao lado da porta olhando o vôo em formação, vi um avião pegar fogo – o avião do Tenente Maia Martins. Retornou para os Afonsos. Mais adiante, o avião do Valporto, também, pega fogo e pronto, o efetivo estava se reduzindo. Depois, eles chegaram a Brasília – dois dias depois– não houve problema.
A nossa viagem foi longa. Foi aquilo que eu disse: dentro do avião, você olha para o soldado e ele está lhe olhando, você vai para lá e ele olha para lá, você vem para cá e ele olha para cá. E eu me dei conta que eu tinha dado a ordem, antes de decolar:
"- Nós vamos saltar na alameda dos Ministérios. O suposto inimigo está ocupando os telhados dos quatro prédios e vai atirar em nós. Todos os oficiais e sargentos deverão tirar a arma do invólucro e durante a queda atirar em tudo o que se mover."
Eu, como comandante, tinha que dar uma ordem que protegesse a minha tropa e que permitisse o cumprimento da missão. Sabia que, com duzentos homens, tinha que libertar Brasília. O que é isso? A cabeça não funcionava. Qual a verdadeira dimensão disso. Brasília é muito grande. Aonde eu iria procurar esse pessoal? A ordem estava dada.
Durante o vôo, fiquei pensando: vou chegar em Brasília às cinco horas da tarde, o expediente está terminando, os funcionários estão cruzando a alameda dos Ministérios. São pessoas que vão estar se movimentando. Nós vamos atirar? Muita gente vai morrer, muita gente inocente. O mestre de salto, o comandante em cada avião, vai com o fone no ouvido, escutando os pilotos. Eu ouvia a conversa dos pilotos. Não ia haver combustível para prosseguir o vôo depois de Brasília. Eles diziam:
"- Nós vamos pousar em qualquer lugar". A situação era difícil e preocupava. Confesso que, sozinho – não tinha ninguém para conversar, eu era o único oficial no meu avião, os outros tenentes estavam nas demais aeronaves – fiquei preocupado, muito preocupado.
Aí, me veio a história de um outro livro – o emprego dos pára-quedistas belgas no Congo – quando houve um levante e muitos reféns, mais de 1.500 reféns. A tropa pára-quedista foi empregada com sucesso – eles não saltaram em cima do objetivo. Você, na sua introdução, falou na nossa EsAO, não foi? A Escola, que aplica a doutrina no seu laboratório, que é o campo, associando tática e técnica com o tiro real, o mestrado do oficial, a última escola onde aprendemos e aplicamos a tática da Arma. É errado, no planejamento pára-quedista, você traçar a sua zona de lançamento em cima do objetivo – você não salta em cima do inimigo. Ah! Que felicidade! No avião, lembrei-me disso. Então, me veio aquela sensação de satisfação – não devo saltar em frente aos ministérios – tenho que saltar longe. Fazer como os pára-quedistas belgas: pegaram tudo o que andava, tudo o que tivesse roda e foram correndo para o objetivo e libertaram os homens que estavam presos, seus patrícios.
Então, imaginei: vou saltar em outro lugar, assim nós vamos evitar atirar em tudo o que se mova. Tudo que se mova seriam os funcionários terminando o expediente, saindo de Brasília. Adquiri confiança e disse para o Comandante da aeronave – ele me avisaria vinte minutos antes, com um toque de sirene dentro do avião: "Comandante, determine a entrada em formação cerrada – para as aeronaves se aproximarem – dê uma rasante em cima da alameda dos Ministérios. Depois, vou dar a final para você". Nós íamos saltar, eu tinha decidido saltar depois da alameda dos Ministérios, bem distante. Preferia ir a pé, correndo, para o objetivo.
Quando ele cerrou, dez minutos antes de chegar em Brasília, o meu ala esquerda – eu via, a distância é curta – o meu ala esquerda estourou o motor e pegou fogo. Era, justamente, a aeronave do Tenente Brandão. Pegou fogo no motor. Aquilo foi imediato! Mudei a missão! Eu disse para o Comandante da aeronave:
"- Mande que siga direto para o aeroporto" - O aeroporto estava nas mãos dos revoltosos - "Mande-o seguir direto para o aeroporto e vamos todos para lá, vamos desembarcar."
Salto de viatura em movimento – nós sabíamos fazer isso. Quando a aeronave tocar no chão, nós saltamos sem pára-quedas, ou seja, salta e rola. É claro que nós íamos ter baixas com isso, mas nós estávamos treinados. Saltávamos de viatura em movimento até na Avenida Brasil. Nós fazíamos esse adestramento.
Ele falou:
"- O aeroporto está nas mãos dos revoltosos!"
Porém, eu sabia que um pelotão de Goiânia já estava se dirigindo para lá – uma Companhia de Goiânia – a comando do então Tenente Machado Borges, o mesmo que chegou a General. Quando a primeira aeronave, que era a do Brandão, tocou na pista, ele comandou o salto. Todo mundo pulou da aeronave – joga a arma e salta feito um fardo, feito uma roda. Você encolhe todo o corpo e sai girando, pois machuca menos. Nós pousamos em seguida.
Mas houve uma ocorrência. Realmente, o aeroporto ainda estava nas mãos dos sargentos revoltosos. Um deles, ao ver o avião pegando fogo no motor, comentou que aquele ali já está sendo destruído pelo fogo e que ele iria acabar com ele, jogando uma granada. E correu na direção do avião para jogar a granada. Acontece que ele estava perto da cerca e parece que era o estacionamento dos táxis, no aeroporto de Brasília. Os motoristas ouviram aquilo e pularam a cerca, começando a correr atrás dele!  Foi uma cena inusitada! Os motoristas se abraçaram com aquele sargento que tinha uma granada na mão, enquanto ele gritava: "- Vou soltar a granada!"
Quando o Brandão chegou, com alguns homens, a granada não tinha nem mais grampo. Estava sendo presa pelo capacete, na mão, e o sargento já com medo de soltar a granada. Após ser preso, ele confirmou que ia jogar a granada para destruir a aeronave, que sabia ser da tropa pára-quedista.
Neste ínterim, desembarcamos, corremos para frente do aeroporto e pegamos todas as viaturas, carros, caminhões e ônibus que apareceram por ali. Desloquei-me em comboio com a minha tropa – duzentos homens – chegamos na alameda dos Ministérios, do outro lado dos ministérios militares. Fiz o sinal para parar e logo a seguir o de avançar. Não falei mais nada. Nós desembarcamos correndo, tomamos de assalto os ministérios, fomos do primeiro piso até o último e fizemos setecentos prisioneiros. Todos estavam armados.
É preciso lembrar que ocorrera uma ação de um pelotão da Polícia do Exército (PE), na véspera. Naquela noite, o Tenente era o Uchoa. Mas o que houve com ele? Acontece que no momento do ataque dos sublevados ao Ministério da Aeronáutica, ele estava com o pelotão guarnecendo e resistiu ao ataque. Foram disparados muitos tiros contra o pelotão dele. Que era composto de "catarinas", lembra? Naquela época, a PE incorporava somente soldados do Sul do Brasil – os "barrigas-verdes" catarinenses – os "catarinas". Ele deu ordem de fogo porque tinha que impedir o ataque – era um ataque mesmo! Nenhum soldado atirou! Nenhum soldado atirou!  Ele tomou o fuzil de um soldado e atrás de uma coluna gastou a munição, rolou para outra coluna – todos os soldados estavam atrás das colunas do Ministério. Ele foi de soldado em soldado e resistiu ao ataque sozinho, atirando, porque os soldados não o fizeram!
A Biblioteca do Exército tem um livro, de 1958, "Homens ou Fogo". Eu li muito esse livro e se eu não me engano é do General Omar Bradley que fez um inquérito na Segunda Guerra Mundial sobre o por quê do homem não atirar, quando está em combate.
Após uma operação numa das ilhas do Pacífico, ele colocou dois ou três regimentos de "quarentena", vamos dizer assim, numa ilha do Pacífico e ouviu do comandante ao último soldado. Onde você estava na hora do ataque? O que houve? Por que você não atirou? Etc. E concluiu, dizendo o seguinte: "O fator psicológico".
Ele tem uma referência interessante: o jovem, principalmente – é o nosso caso que incorporamos recrutas – o jovem é criado para não maltratar até os animais. É aquele negócio, não amarrem uma lata no rabo do gato, não maltratem o animal e de uma hora para outro, dos dezessete para os dezoito anos ele se apresenta no quartel e nós vamos ensiná-lo a atirar para matar.
Disse isso, quando estava na Academia Militar das Agulhas Negras:
"- Nós estamos aqui para ensinar a vocês a matar, mas a matar em defesa da Pátria!"
O tenente Uchoa ficou abismado. Como é que o soldado dele não atirava? Não houve jeito dele atirar! No livro, Omar Bradley diz:  "- O maior índice de aproveitamento de tropas na Segunda Guerra Mundial foi com a tropa pára-quedista e de comandos."
Os pára-quedistas russos chegavam a ter 18 % dos que atiram, no máximo 20%. Ou seja: de cada grupo de combate de infantaria só dois homens atiram quando se deparam com o inimigo, mesmo quando ele está correndo a dez metros de distância. Um grupo de combate tem um sargento e um cabo. Se, dos dez integrantes, dois atiram, somente o sargento e o cabo atiravam. Os soldados, não. Os recrutas não atiram, é preciso muito treinamento. Uma prova foi o que ocorreu com o Tenente Uchoa.
Com a tropa pára-quedista, o rendimento é maior, mas chegamos ao último andar dos quatro prédios dos ministérios e fizemos setecentos prisioneiros.
Quantos tiros nós demos? Nenhum. Prendemos a todos, depois de tomarmos de assalto o local. Foram colocados num andar e ficamos no outro andar, embaixo. Durante 45 dias, nós ficamos ali guarnecendo. Nós dormíamos no chão. Eles dormiam no andar de cima, também, no chão, o mesmo espaço, as mesmas condições sanitárias – nós estávamos no andar de baixo e eles sabiam que não podiam descer, eram sargentos.
Já à noite, reorganizei minha tropa. Veio uma informação rápida: acabaram de entrar num bloco de apartamentos, em uma superquadra e cortaram os pulsos da esposa de um oficial, porque queriam prender o marido. Ela foi salva pelos vizinhos. Cortaram os dois pulsos porque ela não dizia onde estava o marido. Ela também não sabia. Ele tinha saído para ir ao quartel. Ela nem sabia se ele já estava preso. Queriam o seu marido. Era um oficial do Exército, um capitão, e cortaram os pulsos dela. Fiquei com medo, porque aquilo poderia representar para a tropa uma reação maior, a partir dali. Graças a Deus não foi preciso.
Outra informação: na rodoviária de Brasília, a última passagem, a mais baixa, naquela época 1963, – a Rodoviária não estava concluída, ainda estava em obra – fora fechada pelos revoltosos. Eles fecharam de um lado e do outro. Deixaram uma porta e escreveram no muro – Paredão –e colocaram, em posição, um pelotão da tropa dos fuzileiros navais, com metralhadoras.  Iam começar o fuzilamento dos oficiais que já estavam presos.
Peguei um grupo e mandei ao comando do Tenente Valporto, para a Rodoviária. Prendemos todo o pelotão, com as metralhadoras em posição, prontas para fuzilar os oficiais.
Essa foi a minha vivência em 1964 e antes de 1964, em 1963. Prendemos o pelotão e abriu-se o inquérito. Nós até fizemos um comentário, porque o inquérito foi feito na Marinha. A maioria dos sublevados era da Marinha. Conversando com o encarregado do inquérito lhe disse:
"- Comandante, daqui a 15 dias vão estar todos de volta, como se nada tivesse ocorrido". Esses presos foram trazidos de avião, por nós, para o Rio de Janeiro. Ficaram no navio- prisão.
Há um fato que gostaria de acrescentar. Quatro ou cinco dias depois, chegou a Brasília um Batalhão do Regimento Santos Dumont. Não trazia munição. O General não tinha deixado. Passaria a integrá-lo.
O negócio estava quente, porque, ainda, estávamos fazendo a limpeza de Brasília. Informei ao Major que havia reunido toda a munição que trouxera, em uma sala no pavilhão do ministério. "- Tem suficiente?" – Perguntou.
Eu respondi:"- Tenho munição para um batalhão, por um ano!"
Na nossa corrida, com a proibição de sair armado, foi tanta gente levando munição, ao sairmos do Rio! O Barcelos - Eglair Barcelos Alves, Oficial de munições... Lembro-me que, já com todas as aeronaves "taxiando", motor ligado, ele chegou com a viatura e foi jogando os cunhetes pela porta dos aviões. Os pilotos ficaram preocupadíssimos!  Tinha muita munição! O Batalhão cumpriu a sua missão e nós retornamos para o Rio.
O Comandante do Batalhão, Major Giácomo Jannuzzi Neto, chamou-me, aqui no Rio, depois da operação e me disse:
"- Nery, você vai fazer uma relação dos militares que vão receber condecoração, por bravura, nesta operação, você faz isso?"
"- Claro, indico os homens da minha Companhia que merecem a medalha!"
Chamei o meu sargenteante e pedi que ele me desse o mapa da força – o manifesto de vôo de lançamento dos pára-quedistas - para que todos fossem incluídos, todos os militares que foram para Brasília comigo, que tomaram Brasília de assalto e que tinham consciência de que libertaram Brasília.
Entreguei ao Major Jannuzzi, Comandante do Batalhão, a relação de toda a Companhia. Ele disse:
"- O que é isso? Eu pedi para você o nome daqueles que merecem..."
Eu lhe disse: "- Major, todos nós fizemos a mesma coisa. O que um fez, o outro fez também. Todos fomos além do dever!"
Palavras dele: "- Nery, só vou indicar você, porque condecorar duzentos por ato de bravura vai desmoralizar a medalha".
Sendo assim, somente eu seria indicado. "- Major, essa eu não vou receber. O senhor me desculpe – ou concede para todos ou não me mantenha na relação!"
E, realmente, foi isso que ocorreu. Aqueles que estavam em Brasília, foram condecorados. Os Tenentes, Sargentos e Soldados pára-quedistas que, numa ação enérgica e eficaz, sufocaram um movimento revolucionário que pregava uma ampla indisciplina contra a hierarquia militar e contra a autoridade e a legitimidade do Poder Judiciário, representado pelo tribunal mais alto, que é o Supremo Tribunal Federal, não foram reconhecidos.
Essa era a situação vivida naquela época, que levou à eclosão da Revolução de 1964".
Entrevista concedida em 18 de dezembro de 2001
pelo Gen Durval Antunes Machado Pereira de Andrade Nery.
COMENTO:  concordo com meu Amigo Deboni, que me indicou este texto, que a descrição ficou  "meio enrolada" mas, não deixa de ser interessante, visto os vários episódios pontuais que, via de regra, são escamoteados do público em geral. Matérias até hoje divulgadas, carecem de profundidade e abrangência, inclusive os variados livros de autoria de militares, pecam pela falta de histórias e depoimentos como este. Contudo, fica nítida também, a visão do Oficial sobre os fatos. Em nenhum momento se detém em criticas aos "revoltosos", só enaltecendo o feito de seus comandados. Poderia, e tem subsídio, ser mais "agudo" no relato, particularmente quanto aos comandantes comprometidos com a intenção governamental da época, de transformar o Brasil em uma República Sindicalista.
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