segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O Exército e a Mudança da Capital Federal

por Manoel Soriano Neto
Brasília, “a Capital da Esperança”, é fruto do idealismo de pró-homens como José Bonifácio, que lhe sugeriu o nome, e da férrea determinação em construí-la, do presidente Juscelino Kubitschek.
Outros insignes patriotas também muito contribuíram para que hoje, majestática, em excepcional região geoestratégica – o Planalto Central Brasileiro – se encontrasse Brasília, a “Cidade Monumento”, tombada pela ONU, em 1987, como “Patrimônio Cultural da Humanidade”.
É nosso intuito relembrar, de forma assaz breve, a saga de militares do Exército, precursores da mudança da capital brasileira, mencionando os seus respeitáveis nomes.
Impende lembrar, inicialmente, que o ilustre historiador Francisco Adolfo de Vargnhagen, Visconde de Porto Seguro, também tenente-coronel do Corpo de Engenheiros de nosso Exército Imperial, cujo nome consta dos “almanaks” da Força, desencadeou, no século passado, vigorosa campanha pela mudança da capital para o Planalto Central, área por ele percorrida, ficando célebre o ofício que enviou, em 1877, da Vila Formosa da Imperatriz , ao ministro da Agricultura, expondo as vantagens da dita mudança.
Entretanto, a primeira medida efetiva visando à interiorização da capital da República, somente se concretizaria por força do texto da Constituição de 1891, em decorrência de uma emenda constitucional de autoria do tenente do Exército, Lauro Müller.
Em maio de 1892, foi criada uma comissão para explorar o Planalto Central, região prevista na citada Carta Magna de 1891, com vistas à localização do futuro Distrito Federal. Tal comissão foi chefiada pelo engenheiro belga, naturalizado brasileiro, diretor do Observatório Astronômico e Major-honorário do Exército, Dr. Luiz Cruls, e procedeu à demarcação, durante nove meses, do que ficou conhecido como “quadrilátero Cruls”.
Em 1893, no governo do marechal Floriano Peixoto - o brasileiro mais entusiasta pela transferência da capital - foi formada nova comissão, sendo Cruls outra vez chamado para chefiá-la, com a incumbência de escolher, na região anteriormente demarcada, a definitiva área do futuro município neutro, os trabalhos, iniciados em 1894, foram interrompidos, por dificuldades financeiras, em 1897, quando do governo de Prudente de Morais.
Ressalte-se que quase todos os componentes das duas comissões eram militares ou servidores civis do Exército. Assim, o relacionamento com o Dr. Cruls era excelente, máxime porque ele fora 1° Tenente do Exército da Bélgica, era Major-honorário de nosso Exército e lente da Escola Superior de Guerra, tendo inclusive recebido, em 1895, a honorificência de Tenente-Coronel-Honorário do Exército Brasileiro. A Comissão Exploradora de 1892, era basicamente militar, tanto que dezesseis dos seus vinte e dois membros eram oficiais do Exército ou funcionários do Ministério da Guerra, isso sem contar o contingente de apoio e segurança, também da Força. Entre os oficiais que serviram sob as ordens de Cruls, merecem ser citados o major médico Dr. Pedro Gouvêa, o capitão Pedro Cordolino de Almeida e os tenentes Augusto Tasso Fragoso, Hastimphilo de Moura, Antônio Cavalcanti de Albuquerque e Alípio Gama.
Hoje, o augusto nome de Luiz Cruls foi resgatado pelo Exército Brasileiro, que concedeu, em 1999, à 11ª Região Militar, sediada em Brasília, a denominação histórica de “Região Tenente-Coronel Luiz Cruls” e o respectivo estandarte histórico.
Na relembrança da memória de Luiz Cruls, merecem ser transcritas as palavras do saudoso historiador militar general Hans Gerd Haltenburg, contidas em seu precioso arquivo:Foi Soldado. Alma de Soldado, soube cumprir missões. Aprendeu a amar a nova Pátria. Aqui casou. Aqui deixou descendentes. Aqui repousa. Morreu pelo Brasil”...
Após a interrupção dos trabalhos da segunda Comissão Cruls, o assunto  da mudança quedou esquecido. Isso se deveu, fundamentalmente, ao saneamento e à modernização do Rio de Janeiro e às concomitantes restaurações das fortalezas daquela cidade e reequipamento da Marinha, ocorridos no princípio do século, além da evolução tecnológica dos meios bélicos, o que invalidava, em parte, as estratégias de defesa da capital da República. Diga-se, por ilustração, que a Constituição de 1946 restabeleceu o artigo referente à mudança da Capital para o Planalto Central, eis que havia sido suprimido pela Constituição de 1937.
Somente em 1946, o assunto volta à baila, quando o presidente general Eurico Gaspar Dutra constituiu uma comissão de estudos para a localização da nova capital, cuja chefia coube ao general Djalma Poly Coelho. O relatório da comissão ficou pronto em agosto de 1948 .
Em 1953, forma-se a Comissão de Localização da Nova Capital, presidida pelo general Aguinaldo Caiado de Castro, chefe da Casa Militar do presidente Vargas, que concretizou, integralmente, os objetivos previstos, coroando-os com um minucioso levantamento fotogramétrico dos cinco sítios escolhidos pela Comissão Poly Coelho.
Em 1955, convidado pelo presidente Café Filho, assume a presidência da mencionada comissão, o general José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque. Ela foi responsável pela exata escolha do local, onde hoje, portentosa, se ergue Brasília. Em 1955, partem de Formosa, em um comboio de seis jeeps, o general José Pessoa, o governador em exercício, Bernardo Sayão, o notável geopolítico marechal Mário Travassos e o capitão Dr. Ernesto Silva . A comitiva passa por Planaltina e chega, após 4 horas de viagem, à parte mais elevada do Sítio Castanho, atrás de onde hoje se encontra o “Memorial JK”, memorável ato histórico de presença que foi protagonizado por quatro insignes brasileiros, três dos quais eram oficiais do Exército e que caracterizou a escolha e “posse” do precitado Sítio, para a construção de Brasília. Muito importante é dizer-se que, por solicitação do general José Pessoa, o então governador de Goiás, José Ludovico de Almeida, exarou um decreto declarando de necessidade e utilidade públicas e de conveniência ao interesse social, toda a área onde se sediaria o Distrito Federal. À tarde de 30 de abril de 1955, um sábado, reuniram-se o governador José Ludovico e o general José Pessoa para acerto de detalhes do decreto, linhas atrás referido, o qual foi assinado no dia seguinte, 1° de maio, com data de 30 da abril, causando grande surpresa, mas impedindo a especulação imobiliária que adviria, caso esse ato legal fosse do conhecimento da população. José Pessoa, acendrado patriota e idealista, assim antevia o radioso futuro do Planalto Central: “O altiplano brasileiro sempre exerceu poderoso fascínio sobre os nossos primitivos habitantes, como se deu na era aurífera de São Paulo e Minas e não tenhamos dúvida de que o mesmo acontecerá, num futuro próximo, com aquele Planalto, será com sangue novo que lhe faremos o povoamento e grandeza”.
Por derradeiro, frise-se que quando se iniciou a construção da Capital Federal, em 1956, as primeiras moradias de Brasília, as dos candangos, foram as barracas verde-oliva do Exército, trazidas em enorme quantidade para o Planalto, por ordem pessoal do ministro da Guerra, general Henrique Lott, outrossim, ele deu prioridade máxima à construção de quartéis, determinando a imediata criação/instalação da 6ª Companhia de Guardas, a primeira Organização Militar do Exército no Distrito Federal, porquanto era um ardoroso admirador do obstinado ânimo do presidente Juscelino, como nos ensina o emérito historiador, Dr. Jarbas Silva Marques. Aduza-se que os invulgares nomes de Floriano Peixoto, Tasso Fragoso, Eurico Dutra e José Pessoa são denominações históricas de Organizações Militares do Exército Brasileiro. Mais recentemente, outras denominações foram concedidas, para a 11ª Região Militar, de Brasília, “Região Tenente-Coronel Luiz Cruls”, para a 3ª Brigada de Infantaria Motorizada, de Cristalina, “Brigada Visconde de Porto Seguro” e para o 11° Depósito de Suprimento, de Brasília, “Depósito Marechal Mário Travassos”, Organizações aquarteladas no Planalto Central Brasileiro, cujos Patronos tanto contribuíram para a criação de Brasília.
Eis, em síntese, mesmo que imperfeita e incompleta, o que foi, através de várias épocas, a participação do Exército, pelo benemérito labor de alguns de seus abnegados integrantes, na mudança da capital do País, inaugurada em 21 de abril de 1960 e consolidada pelos primeiros governos da Revolução de 31 de março se 1964. De Vargnhagen, ainda ao tempo do Império, a Lauro Müller e Floriano Peixoto, passando por Cruls até o general Dutra e deste a Poly Coelho, Caiado de Castro, José Pessoa, Mário Travassos, Ernesto Silva e Henrique Lott, muito foi feito pelo invicto e glorioso Exército Brasileiro, com vistas à materialização do sonho de interiorizar-se a capital do Brasil.
Eis por que os militares da Força Terrestre Brasileira, desde sempre, ufanam-se em pertencer à “mais lídima e representativa das instituições nacionais - o verdadeiro índice do povo brasileiro” -, no dizer do inesquecível sociólogo Gilberto Freyre.
Manoel Soriano Neto é Cel Refo do EB, 
de Infantaria e Estado-Maior,
e Historiador Militar.
Fonte:   Usina de Letras

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