quarta-feira, 30 de junho de 2010

Quebra do Sigilo Fiscal

por Paulo Brossard (*)
Grande jornal, editado no maior Estado da federação, tem uma autoridade inerente à sua própria dimensão e, correlatamente, igual responsabilidade no que tange à exatidão da notícia divulgada. A Folha de S.Paulo, em sua edição de 19, dedica quase metade de página de seu primeiro caderno a revelar fato de excepcional gravidade, tanto mais quando esclarece ter tido acesso a documentos que asseguram sua origem, saídos “diretamente dos sistemas da Receita Federal”. A matéria é variada, mas basta o enunciado para que se fique sabendo ter havido quebra de sigilo fiscal. Pouco importa indagar quem engendrou a maquinação ilícita, seu CPF, fotografia, impressão digital, ou o que mais seja, uma vez que o fato divulgado menciona com todas as letras um caso de quebra de sigilo fiscal para fins da montagem de dossiê envolvendo a pessoa de um candidato à Presidência da República.
Começo por observar que o expediente não é original. Estou a lembrar-me do ocorrido também em São Paulo quando da eleição para o governo daquele Estado. Salvo engano, foi em 2006. O encontro para a venda do dossiê se deu no Hotel Ibis, próximo ao aeroporto Congonhas, o preço R$ 1,7 milhão, importância que ficou “hospedada” naquele hotel não sei por quanto tempo. Lembro o fato apenas para mostrar que esse negócio de dossiê tem precedente. Parece que foi o presidente da República que batizou de “aloprados” seus autores. Fecho aqui o parêntesis para retomar o caso agora denunciado pela folha paulista.
O primeiro efeito da notícia foi o desligamento, voluntário ou não, de alguém do “grupo de inteligência da pré-campanha” da candidata oficial. Saliente-se que, o mesmo jornal, no mesmo dia, sábado-19, acrescentou que “procurada desde o começo da semana, a Receita Federal informou que não iria se manifestar sobre o assunto” e, ao que sei, permaneceu muda.
A primeira pergunta que me faço e também ao leitor, é se a Receita é um segmento do serviço público e está sujeita à lei, como toda a administração pública, art. 37 da Constituição, ou está acima dela. O decoro da administração, particularmente o da administração fiscal, que hoje tem acesso às mais recônditas intimidades fiscais de qualquer contribuinte, exige o cabal esclarecimento do estranho sucesso. A administração não pode atribuir-se a comodidade do silêncio, quando o jornal que desvendou o caso estampou a matéria sob este título: “Dado sigiloso de dossiê saiu da Receita”.
Desnecessário dizer que não tenho informações privilegiadas e me socorro do que é acessível a qualquer mortal. Pois bem, a própria ex-ministra-chefe da Casa Civil, hoje candidata à presidência da República, declarou pelo mesmo jornal, “vazamento é com a Receita, diz Dilma” e, no dia seguinte, “a Receita Federal é que deve explicar, porque nós não temos nada com isso, disse a candidata do PT ontem, em Lisboa”. Este o fato em sua nudez.
Em assunto dessa relevância, o silêncio é mortal, até porque enseja, se não legitima, as piores ilações.
Quem chamou a Receita Federal à colação não foi um anônimo, mas a até ontem ministra da Casa Civil da Presidência da República e hoje candidata à Presidência, e o fez de maneira inequívoca, em declarações daquém e dalém mar. Não tenho meios de asseverar se a enfática declaração é verídica ou não, mas, qualquer que seja, tem de ser apurada. Se verdadeira, é grave, uma vez que se fica a saber que um serviço público da importância da Receita Federal vem sendo objeto de tamanho desvio de finalidade, configurando insigne ilicitude a atingir a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país; se falsa a versão, não haverá brasileiro ou estrangeiro aqui residente que não se sinta igualmente atingido em sua segurança constitucionalmente proclamada. A questão é de excepcional gravidade, pois não é doméstica, mas de natureza pública, impessoal e indisponível e envolve a administração inteira. A quebra do sigilo fiscal contamina o serviço e o compromete de alto a baixo. Não seria de o Ministério Público usar de sua autoridade para apurar a real autoria da quebra do sigilo, pois quanto à sua ocorrência já não paira dúvida alguma?
(*) Jurista, ministro aposentado do STF
COMENTO: o destaque é dado por que a notícia se refere a um político. Por outro lado, a quebra do sigilo fiscal de seis militares comprovada por documento exibido pelo jornalista Cláudio Humberto, seguida por um ofício inconsistente tentando desmentir a ocorrência da ilegalidade, não teve repercussão alguma. Escrevi inconsistente para não incorrer em ofensa pessoal ao subscritor do tal ofício. Afinal, houve uma época em que faltar com a verdade era considerada falta grave para com a honra militar. É claro que a tal quebra de sigilo foi uma bobagem. A merreca recebida mensalmente por militares, a título de vencimentos, deve ter sido motivo de chacota por parte dos violadores da lei. E as vítimas, particularmente as que detém cargos com alguma importância hierárquica, possivelmente temendo ter seus contra-cheques revelados e, assim, sentirem-se envergonhadas em função dos seus "atestados de pobreza", recolheram-se ao seu anonimato esperançoso por alguma recompensa futura na forma de alguma "boquinha". Apurar responsabilidades. Nem pensar!!
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