terça-feira, 18 de agosto de 2009

Entreguismo

por Paulo Brossard
O silêncio com que se pretende cercar Itaipu é de preocupar, dadas as alterações concebidas pela “diplomacia da generosidade”.
Contudo, opiniões qualificadas têm se feito ouvir de maneira a advertir setores nacionais que não podem se omitir. O embaixador Rubens Barbosa, que chefiou duas das nossas embaixadas mais importantes, em entrevista à televisão e em artigo publicado semana passada em jornal paulista, sem rebuços, salientou que no “pacote de bondades” figuravam financiamentos no valor de US$ 1,535 bilhão, alguns a fundo perdido, para a realização de obras de infraestrutura, com requinte não faltava a construção de um mirante no valor de US$ 20 milhões, no lado paraguaio do lago de Itaipu! Isto sem falar no reajuste, em 200%, da remuneração ao Paraguai por cessão da energia de Itaipu, elevando o encargo do Brasil de US$ 120 milhões atuais para US$ 360 milhões. Um aumento de US$ 240 milhões sairá de onde? Não se diz. Mas se afirma que não será do bolso do contribuinte. Assunto de tamanha expressão é tratado com essa leviandade. Quem vai pagar mais essa bagatela imputada ao Brasil em favor do Paraguai?
O que já ocorreu, a propósito, seria inacreditável se não fosse óbvio. Todos os governos “bolivarianos”, ou quase, que receberam a “generosidade” brasileira desacompanharam o Brasil em suas reivindicações internacionais e apoiaram seus concorrentes. Isto só poderia surpreender um pacóvio, pois, ao longo da história, em matéria internacional, os interesses nacionais têm prevalecido sobre sentimentos de afinidade tradicional. Parece desnecessário lembrar que, ainda agora, ao Brasil a Argentina preferiu a China, a despeito da notória solicitude brasileira em relação a sucessivas angústias portenhas, sem falar das nossas seculares relações com a pátria de Sarmiento.
Mas não faltou quem descobrisse que a fraqueza ou frouxidão brasileira em relação ao Paraguai na mutilação do Tratado de Itaipu seria para socorrer D. Lugo, que não subsistiria no governo paraguaio sem o achego do Brasil. A política externa brasileira, no tocante à América do Sul, ter-se-ia reduzido à missão de curador de incapazes às custas da nação.
A versão é tão infantil, que leva a crer que as bondades concedidas a D. Lugo, em nome da paz celestial, quem sabe, têm outra inspiração e finalidade. Com as novas benesses, no tocante à eletricidade de Itaipu, até o fim dos séculos o Brasil poderá estar sofrendo efeitos desastrosos da leviandade de agora. A propósito, no artigo a que me referi, o diplomata observa que “está em jogo não só a segurança energética do Brasil (mais de 20% da energia consumida no Centro-Sul é gerada por Itaipu), como também a segurança jurídica dos contratos e tratados firmados pelo Brasil. As concessões no tocante à venda direta de energia no mercado aberto brasileiro e a possibilidade de venda a terceiros países a partir de 2023 abrem precedentes perigosos na estrutura do Tratado de Itaipu”, configurando legado funesto ao nosso país.
É notória a vertente ideológica que comandou a capitulação do Brasil a D. Lugo. Seus efeitos talvez não sejam mensuráveis hoje, mas podem comprometer seriamente a feição do Brasil como Estado, ao desnudar-se de seus interesses legítimos por benemerências poéticas, mas não tanto para os beneficiados.
Em outros tempos, acoimava-se de “entreguista” o governo que agisse contra os interesses nacionais.
A nossa atual política externa está fazendo jus ao desonroso epíteto.
Paulo Brossard é Jurista,
 ministro aposentado do STF

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