segunda-feira, 13 de julho de 2009

Os Senadores do Juremir

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De tudo que se tem escrito sobre o Senado e senadores nada parecido com o texto do Juremir Machado da Silva, Canais favoritos, publicado hoje no Correio do Povo. Tenho o dever de publicá-lo. É de emoldurar. Leia até o final:
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Lucas, meu personagem no romance 'Solo', adorava ver televisão. Bizarro, ele ficava em casa olhando a TV Senado, o Canal Rural e a TV Câmara. Era obcecado por bois e senadores. Os bois, o proletariado e os senadores eram as categorias que ele mais admirava. Como o proletariado desapareceu junto com as teorias mais esquisitas da história do pensamento humano, afora o neoliberalismo, restava-lhe canalizar toda a sua imensa afeição para os bois. Eles o ajudavam a ruminar. Eu também sou assim, embora meu romance não seja autobiográfico. Na verdade, prefiro os senadores. O problema do boi é que ele tem serventia. Dá pena acabar com um exemplar. Já um senador é tão inútil que só serve para protagonizar programas cômicos na TV pública.
Eu gosto muito da TV Câmara e da TV Senado. Pena que nunca tem mulher pelada. Lucas chegou a ficar 18 horas ininterruptas vendo esporte na televisão. É absurdo. Nunca passei de 17 horas. Subscrevo todas as opiniões de Lucas sobre a televisão. Por exemplo, esta: 'É extraordinário como certas questões podem render assunto para horas de discussão. Foram quase seis horas dedicadas a saber se houve ou não impedimento num gol do Corinthians. Outra questão que sempre merece um tratamento demorado é esta: com quantos volantes deve jogar uma equipe com pretensões ao título?' Na TV Senado, os debates mais empolgantes dizem respeito a coisas irrelevantes como saber quem empregou mais parentes, quem usou mais passagens aéreas, quem é mais ou menos corrupto.
Outro dia, fiquei vidrado na imagem do senador José Sarney. É incrível como ele tem certo ar de boi. Sabem aquele ar melancólico de ruminante que pode ser confundido com intensa atividade mental? A diferença entre Sarney e um boi é de natureza moral. Os bois são profundamente éticos. Jamais mentem. Não tenho saído mais. Fico em casa vendo o Sarney na televisão. É como se eu estivesse na zona rural. Chego a sentir o cheiro da lama fresca, o odor do esterco e ver a grama do vizinho sendo roubada. Fico com a impressão de que o mundo é um imenso Maranhão. Sarney é o meu boi preferido. Em Palomas, tínhamos uma junta de bois fantástica: Larápio e Salafrário. Se eu comprasse uma junta de bois hoje, podem ter certeza, eu os chamaria de Sarney e Renan.
Sarney mudou aquele chavão segundo o qual não se pode enganar todo mundo o tempo todo. Ele pode. Afinal, como disse o Lulla, Sarney não é um homem comum. É um homem-boi. Pensando bem, ele tem um jeito de sapo-boi. Um boi nunca me engana. Sarney me cativa. Ele tem aquele jeito manso de boi cansado, aquele olhar profundo de bovino filosofando, aquele passo lento de senador que conhece todos os atalhos para fugir da lavoura. Toda vez que vejo o Sarney na TV, eu penso: 'Lá se foi o boi com a corda e a tua égua com os arreios'. Estudar na Europa aprimorou o meu ouvido para a filosofia popular. O proletariado foi extinto. O boi fugiu para o mato. Só ficou o Sarney pastando solto. O Brasil é um curral.
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