terça-feira, 21 de abril de 2009

Faria Melhor com um Móbile

por Percival Puggina
Em plena reunião da cúpula Unasur, Chávez saiu de sua cadeira e foi até onde estava Barack Obama. Nas imagens de tevê que registraram o fato ficou nítida a perturbação inicial do ianque, conhecedor da rotineira falta de juízo do venezuelano. “O que esse sujeito vai aprontar?”, deve ter pensado durante a aproximação. No entanto, Chávez lhe trazia um regalo e o presidente norte-americano descontraiu-se de imediato. Tratava-se de uma versão da obra “Veias abertas da América Latina” do uruguaio Eduardo Galeano. 
Para quem não sabe, o livro em questão, vendido como sendo uma leitura que rompe com o ensino tradicional da História, foi publicado em 1971 e sustenta tese originalíssima: nosso subcontinente é pobre porque sempre foi explorado — primeiro pelas metrópoles ibéricas, depois pelos ingleses e, finalmente, pelos norte-americanos. Tenho certeza de que sequer o esclarecido leitor destas linhas tinha notícia de tão inovadora visão da realidade regional, não é mesmo?
Ironias à parte, o mais alienado colegial dos anos 50 do século passado lembra que esse assunto, já então, era tema de colégio. Ora o tema era trazido por professores formados na academia na primeira metade do século, ora por jovens militantes da esquerda, doutrinados nas células onde se planejava o assalto ao poder para alinhar o Brasil com as “admiráveis conquistas da humanidade” alcançadas pela hoje defunta União Soviética. 
Enfim, essa é a tese do livro que Chávez escolheu a dedo para presentear a Obama, o que mostra o quanto está atualizada a leitura do caudilho instalado no Palácio de Miraflores. Na mesma semana em que seu pupilo boliviano Evo Morales se declara comunista, marxista e leninista, Chávez resolve entregar esse mimo ao presidente ianque. Se é para ajudá-lo a dormir, faria melhor presenteando-o com um móbile.
O supostamente revolucionário livro de Eduardo Galeano é, na verdade, uma obra reacionária que conspira a favor da ideologia do autor e contra a prosperidade dos nossos países, atribuindo os problemas sociais e econômicos da América Ibérica à ação de maliciosos agentes externos que se vêm aproveitando da nossa inocência. Nada melhor do que a realidade cubana para o desmentir. Há meio século, a antiga Pérola do Caribe, após romper com os Estados Unidos, assumiu, sem pagar um centavo, todo o patrimônio norte-americano na ilha, nunca mais enviou lucro para o exterior, abriu a veia dos russos e passou a beber sangue soviético, em rublos, durante três décadas. Resultado? Cuba virou uma sucata e, hoje, atribui sua miséria a quê? À má vontade comercial dos Estados Unidos. Me poupa, Galeano.
Quem leva a sério o livro em questão, a exemplo de Chávez, se deixa cegar pela ideologia e acaba acreditando que somos pobres por culpas alheias. Até parece que aqui sempre se valorizou o trabalho, o mérito e o espírito de iniciativa. Até parece que aqui sempre tivemos bons governos, instrumentos políticos corretos, gestão fiscal rigorosa e elevado espírito público. Até parece que aqui se combate a corrupção e se cultuam elevados valores. Até parece que aqui lugar de bandidos e de corruptos é na cadeia e a Lei se impõe igualmente a todos. Com tantas e tão nobres condutas, se temos uma sociedade às voltas com problemas sociais e econômicos só pode ser por culpa dos outros, não é mesmo? Ou, como contestou alguém, num site em que se discutia a dívida pública brasileira, iniciada com a Independência: “Tente dizer ao seu patrão que não vai trabalhar hoje devido a um resfriado que você pegou há dez anos”.

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