sábado, 26 de julho de 2008

Um País de Tolos?

por Flávio Tavares
Nada tem mais força e poder do que a força e o poder da propaganda.ela induz, conduz e produz para bem ou para mal, como quiser. Ou faz da mentira uma verdade absoluta. Por exemplo: os delegados da Polícia Federal, mais o procurador e o juiz que investigam o trio Dantas-Nahas-Pitta, acreditaram que era sincero e verdadeiro o tal de "Brasil, um país de todos", da propaganda oficial, e se lançaram contra o crime, sem entender que, entre nós, só se desvenda crime que se pode apagar.
Se a equipe do delegado Protógenes Queiroz deixasse em paz os computadores de Daniel Dantas e Naji Nahas, talvez não assistíssemos à ridícula discussão sobre um suposto "Estado policial" (a Polícia Federal) a conspurcar o "Estado de direito" (encarnado no ministro Gilmar Mendes, do STF). É difícil, porém, apagar o conteúdo do disco rígido dos computadores com centenas (ou milhares) de nomes e cifras. Como dispersos espermatozoides em busca de um óvulo, basta cruzá-los e aparecerá como foram fecundados, quem se acasalou com quem. E os segredos virão à luz.
É isso que atemoriza?
Ao contrário do que apregoam alguns noviços defensores do "Estado de direito", a apuração estrita de fraudes pela Polícia Federal não significa conflito com o Judiciário. O juiz Fausto de Sanctis, que mandou prender os implicados, não é membro do poder judicial? E o procurador da República, que os denunciou, não é braço auxiliar, como a polícia?
O conflito estabeleceu-se na Justiça em si: ou o veloz habeas corpus concedido pelo presidente do Supremo não estorvou a apuração profunda de tudo, como o próprio juiz De Sanctis o advertiu antes?
Já nos habituamos a erros de governo, fraudes de políticos, safadezas de empresários, chantagens de sindicalistas. Conhecemos a barafunda em que o escândalo de hoje suplanta o de ontem e o de amanhã fará esquecer todos eles.
Mas o afastamento dos delegados da Polícia Federal é revoltante. Na indignação da revolta, dói ver o correto e íntegro Tarso Genro, de idéias profundas e excelente formação (NR: opiniões do autor do texto, não compartilhadas pelo blog), vir a público para dizer que o delegado Protógenes saía do inquérito "por vontade própria".
A difusão de trechos gravados da reunião em que a Polícia Federal substituiu os delegados, mostra que Protógenes e sua equipe saíam contra a vontade. Ele próprio frisa que sempre pretendeu "permanecer até o final". E quando lhe impõem prazo rápido para concluir, nota-se que aceita em obediência ao chefe, sem euforia.
Os delegados foram afastados após encontro do presidente da República com Gilmar Mendes, mais os ministros da Justiça e da Defesa. Como Nelson Jobim nada teve a ver com prisões e habeas corpus, é de se crer que ali estivesse na defesa de Gilmar, seu assessor quando ministro no governo de Fernando Henrique e, depois, seu "afilhado" na nomeação para o Supremo. Assim, já que Lula da Silva adora metáforas de futebol, Tarso entrou à reunião perdendo de 2 a 1 para Gilmar, após as disputas verbais entre ambos...
Ou que outro poder fez Tarso Genro despir-se do que é para entrar na voragem de embaraçar a aplicação da justiça como se fosse defendê-la?
Dizia Charles Chaplin: "O pecado é um mistério tão grande quanto a virtude".
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Extraditado de Mônaco (sede universal da jogatina), Salvatore Cacciola parecia astro de cinema ao desembarcar no Rio. Um habeas corpus o protegia de ser tratado como preso, mesmo sentenciado a 13 anos de prisão. Em entrevista, se disse "confiante": os outros condenados "já estão livres e, logo, eu próprio serei solto, pois nem sequer sou foragido da Justiça". Pouco depois, Joaquim Barbosa, ministro do STF, opinou em alta velocidade: "Ele está tecnicamente certo!".
Afinal, o que somos? Aquele "Brasil, um país de todos", da propaganda? Ou um país de lodos? Ou um país de tolos?
Fonte:  Zero Hora - Porto Alegre, 20 Jul 08
COMENTO: Respeito as opiniões do autor mas faço questão de destacar que não concordo com os adjetivos dirigidos a Tarso Genro. O episódio da operação policial como um todo me parece ter tido, por princípio, "detonar um peixe graúdo tucano" (Daniel Dantas) em uma investigação que saiu do controle da petralhada e acabou pegando "gente da casa".

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